Uma dor que atinge toda a família.
“Se eu soubesse que a sífilis trazia tanto problema
assim, eu não tinha nem engravidado de novo, porque é um risco, não só para
mim, mas também para o bebê”, diz uma paciente.
A sífilis congênita é transmitida da mãe para o feto. Se
não for tratada precocemente, a doença pode afetar vários órgãos, provocar
cegueira e até comprometer o desenvolvimento mental. A Organização Mundial da
Saúde tinha estabelecido uma meta para o Brasil até o ano passado: cinco casos
de sífilis congênita para cada 10 mil nascidos vivos. Mas ainda estamos muito
longe desse desafio. Aqui, o número é dez vezes maior.
“Sífilis congênita não era para existir nenhuma, a
gestante, ela tem como exame obrigatório no pré-natal o teste para sífilis, ela
tem nove meses para efetuar o tratamento com antibiótico de baixíssimo custo,
que é a penicilina”, diz o obstetra Sérgio Araújo Martins Teixeira.
Situações como essas mostram a deficiência de uma parte
fundamental do sistema de saúde: a chamada atenção básica. São os postos de
saúde, que devem ficar bem perto de casa, para oferecer atendimento preventivo,
para acompanhar o tratamento de doenças, fazer o pré-natal. Se essa assistência
primária funcionasse como deveria, especialistas dizem que 80% dos pacientes no
Brasil não teriam as doenças agravadas. Não precisariam procurar hospitais.
Internações e cirurgias aumentam as despesas do Sistema Único de Saúde. Só as
complicações da diabetes custaram R$ 92 milhões no ano passado.
“Se você cuidar bem de um paciente com diabetes não se
espera que ele tenha amputação, por exemplo, de membros por complicações de
diabetes. Se isso estiver ocorrendo, é um sinal de que a atenção básica não
está funcionando, diz o professor da Faculdade de Medicina da USP, Amaury Lélis
Dal Fabbro.
Com a sífilis, foram quase R$ 10 milhões.
“Nossa conclusão é que essa sífilis congênita tenha
aumentado desse jeito em função de um pré-natal de péssima qualidade por causa,
justamente, por causa da péssima qualidade da atenção primária”, disse o
vice-presidente do Cremerj, Nelson Nahon.
Nos casos de acidente vascular cerebral, comuns em quem
tem pressão alta, o valor foi ainda maior: R$ 238 milhões. O Sistema Único de
Saúde estabelece que a atenção básica é responsabilidade dos municípios, com
apoio dos governos estaduais e federal.
Os postos de saúde e as clínicas de família são a porta
de entrada do paciente no sistema e servem como um filtro. Em caso de
necessidade, o paciente é encaminhado para atendimento especializado, para
emergências ou internações. Quando o doente recebe alta nesses setores, ele
precisa voltar para os postos para ter acompanhamento.
“Esse relacionamento entre a atenção básica, a atenção especializada e o
sistema de urgência e emergência, ele é fundamental para que o paciente seja
acompanhado no sistema de saúde”, explica o professor de medicina Amaury Lélis
Dal Fabbro.
Mas essa não é a realidade na maior parte do país. No ano
passado, o Tribunal de Contas da União fez uma grande auditoria sobre a atenção
básica no Brasil. E descobriu que quase 70% dos municípios internam mais gente
do que deveriam.
Mais de 70% das cidades informaram que o dinheiro
repassado pelas outras esferas de governo não é suficiente para cobrir as
despesas. O tribunal também apontou falhas das prefeituras na identificação das
necessidades da população.
“Todas as ações de saúde são programadas em função do
perfil da população, então, se é uma população que é mais pobre ou mais rica,
que adoece mais de diarreia, ou tem muito problema com dengue, todos esses
dados são de conhecimento das equipes e as equipes planejam a oferta de
serviços em função do que as pessoas precisam, essa é a grande lógica da
estratégia”, explica o diretor de Comunicação da Sociedade Brasileira de
Medicina de Família e Comunidade, Rodrigo Lima.
A atenção básica no Brasil ainda precisa ultrapassar
barreiras para, enfim, tornar mais fácil o caminho da população.
A prefeitura de Itaboraí disse que, desde 2013, “seu”
Milton teve consultas médicas duas vezes ao ano. E que, por ser hipertenso
grave, faz parte de um grupo de alto risco de amputação, mesmo com
acompanhamento médico.